quinta-feira, 30 de julho de 2009


Causos de Berilo
PEGAR TATU
Alan Machado
O "progresso" chegava a Berilo. A cidade sofria grandes transformações de infra-estrutura, de 1974 a 1976, como as instalações das redes de esgoto e elétrica, além dos bloquetes nas ruas. Nessa época, no verão, chovia sem parar e a cidade virava um barro só de terra vermelha. Começaram a aparecer muitas formigas tanajuras, alimento principal dos tatús que saíam dos buracos em que se escondiam para se esbaldar com tanta fartura. Quando isso acontecia, a cidade ficava mais agitada porque todo mundo queria também "caçar tatu" para comer sua valiosa carne. O problema é que quase ninguém conseguia agarrar o danado.
Certa vez, naqueles dias em que as chuvas deram uma pausa e o sol finalmente apareceu, alguns meninos jogavam conversa fora à tardinha na "rua de cima", perto da casa de Belinha de Adão Sotila. Nesta época, Berilo só tinha 3 ruas. A de cima, Francisco Badaró Jr, a "rua do meio", Coronel Amaral, e a "rua de baixo", Abreu Vieira.
De repente, os meninos se depararam com um monte de gente, umas vinte pessoas pelo menos, correndo, vindo da praça principal, atrás de um tatu. Para não serem atropelados, os meninos foram para o canto próximo aos muros das casas e observavam, curiosos, aquela correria.
O pequeno animal se locomovia em disparada e a multidão mal conseguia acompanhar. Quando a rua terminou, o tatu parou e tentou entrar em uma das casas à sua frente, mas a porta estava fechada. Essa titubeada foi fatal. Encurralado, o tatu não tinha escapatória. Um jovem rapaz conseguiu agarrar o rabo com firmeza, única forma de capturá-lo de jeito. No momento que o tatu se contorcia e se virava para morder o rapaz, um outro jovem aplicou-lhe duas pauladas certeiras na cabeça. O animal desfaleceu. O rapaz, então, gritou: “O tatu é meu, o tatu é meu! Acabou a festa!” O outro revidava: “Não, senhor! Se não fosse minha paulada, ele ia te morder e escaparia!” Diante do impasse, e mesmo exaltados, os dois resolveram dividir a carne.
Saíram em disparada pela rua, em direção à casa de um deles. Um carregava, exultante, o casco com as perninhas inertes do tatu para o ar. O outro bradava com o pau de madeira em riste, entusiasmado: “Vou comer tatu, vou comer tatu!”.
A multidão se dispersou, olhando para os dois jovens com certa ponta de inveja. Os meninos da rua riam e se perguntavam como um simples tatu era capaz de tanto rebuliço na cidade. O que será que a carne desse bicho tem de tão especial ?
No dia seguinte, a casa de um dos jovens heróis foi visitada por muitos curiosos. Conforme o trato, ele compartilhou a pouca carne com seu parceiro na caça, mas fazia questão de mostrar um troféu em cima da geladeira novinha, já funcionando com energia elétrica: o casco do tatu capturado a duras penas.
Nessa mesma época, “pegar tatu” já era uma expressão popular e divertida na cidade que, quer dizer, levar um tombo, um escorregão daqueles na lama e se sujar todo. Com certeza, muito pior do que escorregar numa casca de banana.

Alânderson Silveira Machado, o Alan de Machadinho de Neli, ex-morador da rua de cima - a Francisco Badaró Júnior-, é berilense, mora em BH. É escritor e ator.

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