quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mamãe e o Carnaval de Diamantina

Mamãe e o Carnaval de Diamantina
Fernando Gripp
Nos últimos dias, viver em Diamantina trouxe-me muitas lembranças de minha saudosa mãe. Não que ela tenha vivido aqui. Na verdade ela não tinha nenhuma ligação e nunca pisou nessa terra.

Todavia, ver Diamantina se preparando e fazendo o seu carnaval levou-me a muitas analogias sobre os sentimentos e comportamentos de minha adorável mãe.
Essa comparação surgiu-me na semana passada ao ver Diamantina se esforçando para parecer mais bonita e agradável para os visitantes. Uma cidade que queria estar melhor para receber o turista durante o carnaval.

Essas manifestações reviraram minha memória e trouxeram à tona a época em que minha mãe começava a se preparar para receber suas visitas para as festas de natal e ano novo.

Lembro-me que por volta do mês de outubro ela já começava a se organizar, planejava uma nova pintura para a casa, uma modificação no jardim, uma caprichada na cera parquetina e no escovão para dar maior brilho nos tacos amarelados da sala, a compra de um novo colchão, a pesquisa de novas e tradicionais receitas e muitas outras providências para receber os filhos, parentes e amigos que estavam longe.

Apesar do trabalho, podíamos ver todos os anos um brilho especial em seus olhos durante o planejamento e execução dos seus árduos planos.
Essa analogia com cidade veio-me quando comecei a perceber uma Diamantina inquieta, em movimento, se preparando para uma festa importante.
Diferentemente de minha atenta e organizada mãe, vi uma cidade atabalhoada e, em muitos momentos, desorganizada. Homens e mulheres apressados, pintando de um branco encardido os meio-fios de suas praças abandonadas; foram feitos remendos de um asfalto precário nos buracos das ruas que já fazem parte do nosso cotidiano e também notei que terrenos que ficaram sujos e cheios de lixo durante todo o ano foram alvos de uma limpeza superficial.

Vi moradores batendo prego no estrado da cama, lavando paredes e consertando aquela velha geladeira que não fechava corretamente a porta. Enfim, o que era para ser feito durante todo o ano precisava ser consertado ou maquiado em poucos dias e horas.

Era como se minha mãe não tivesse se preparado com antecedência e a casa não estava pronta para receber suas visitas.

Quando pequeno, sempre me perguntava por que mamãe fazia isso. Por que se preparar tanto para melhorar sua casa somente naquele período? Será que durante os outros dias do ano a nossa casa não deveria ser cuidada com todo esse esmero?
Da minha janela, eu vi o carnaval passar em Diamantina e comparações maternas persistiam.

Imaginei a situação em que minha mãe tivesse errado no dimensionamento do número de convidados. Parentes e agregados de última hora apareceram de surpresa e a nossa casa recebeu mais visitantes do que ela poderia suportar confortavelmente.

Para nossa maior surpresa, recebemos novos convidados com hábitos e costumes que nos causaram desconforto e estranheza.

O que mais me chamou a atenção foram os seus carros com potentes alto-falantes nos porta-malas para tocar ininterruptamente e bem alto uma música de gosto duvidoso, cujo refrão não sai de minha cabeça - reboleixionxon é reboleixionxon (que rima, pura poseia!) .

Faltou água em nossa casa. Além disso, os novos convidados colocavam os pés sujos nas paredes, bebiam cerveja demasiadamente, faziam xixi no quintal, jogavam lixo no chão, usavam um vocabulário que não estávamos acostumados, abordavam indelicadamente as filhas dos nossos vizinhos e até conseguiram quebrar aquele enfeite da mesa da sala que era considerado o patrimônio histórico e cultural da família.
Mesmo com todos esses inconvenientes, via uma mãe se dedicando plenamente para atender e satisfazer seus convidados. Aquele brilho no olhar já não mais existia, foi substituído por um sorriso sem graça e amarelado, uma expressão de vergonha, decepção e cansaço.

Por outro lado, a visita inesperada trouxe muita euforia para algumas pessoas de nosso convívio.

O padeiro, o dono do armazém, o quitandeiro e até o dono do boteco da rua já disseram que nossos novos convidados são adoráveis e que serão sempre bem vindos.

Apareceu até uma prestativa pessoa que se disponibilizou a alugar sua própria casa no próximo ano para nossos convidados. Desconfio que toda essa simpatia e receptividade tenham um motivo puramente financeiro, já que minha mamãe teve que aumentar consideravelmente os seus gastos para manter a fama de boa anfitriã.
Enfim, vejo amanhecer uma quarta-feira cinzenta em Diamantina. Uma cidade feia, deprimente, pisoteada, lixo para todos os lados, um cheiro muito ruim no ar.

É como se eu olhasse para nossa casa, o maior patrimônio de nossa família, suja e mal tratada. Dentro dela veria minha mãe deitada na cama, cansada, sentindo dores nas costas e se lamentando que não conseguiu receber bem seus convidados.

Mas ela é uma mulher forte, experiente e cheia de histórias. Passados alguns dias, certamente começará a fazer novos planos para receber bem seus convidados no próximo ano.

Mas fico me perguntando: até quando a sua saúde suportará esse esforço? Será que ela ainda sente prazer em organizar essa festa? Será possível organizar uma festa mais familiar e menos comercial?

Tenho certeza que é possível preparar uma celebração que valorize as tradições e que também incorpore ordenadamente os novos costumes dos mais jovens. Sim, é possível organizar uma festa para todos nós da grande família.

Queremos agora uma festa em que a alegria, o prazer do convívio, a felicidade do reencontro, o carinho, a gentileza e o respeito sejam o nosso maior patrimônio.
Publicado no blogpassadicovirtual , de Diamantina

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