sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pequena fábula do Vale

Pequena Fábula do Jequitinhonha
Tendo herdado a casa do avô na cidade distante, para lá mudou-se com toda a família, contente de retomar o contato com suas origens. Em poucos dias, já trocava dedos de prosa com o farmacêutico, o tabelião, o juiz. E por eles ficou sabendo, entre uma conversa e outra, que as casas daquela região eram construídas com areia de aluvião, onde não raro se encontravam pequenos diamantes.
A notícia incrustou-se em sua mente. Olhava os garimpeiros que à beira de rios e córregos ondulavam suas bateias, olhava os meninos que cavucavam os montes de areia já explorada onde, ainda assim, talvez fosse possível descobrir o brilho amarelado de pedra bruta.

Ouvia as estórias de fantásticos achados.
Por fim, uma tarde, alegando cansaço após o almoço farto, trancou-se no quarto e, afastado o armário, começou com a ajuda de uma faca a raspar a parede por trás deste. Raspava, examinava a cavidade, os resíduos que tinha na mão e que cuidadoso despejava num saco de papel.

E recomeçava. Assim, durante mais de hora. Assim, a partir daí, todas as tardes.
Já estava quase transparente a parede atrás do armário, e ele se preparava para agir atrás da cômoda quando, tendo esquecido de trancar a porta, foi surpreendido pela mulher.

Outro remédio não teve senão explicar-lhe o porquê de sua estranha atividade.
Ao que ela, armada por sua vez de faca e reclamando posse territorial, partiu para a parede da despensa. Onde, dali a pouco, foi descoberta pela empregada. A qual reivindicou direito às paredes da cozinha.
Tão evidentes, que rapidamente as crianças perceberam, atacando cada uma um lado do corredor.
De dia e de noite, raspam e raspam os familiares, álacres como ratos, abrindo vãos, esburacando entre as estruturas, roendo com suas facas na procura cada vez mais excitada.

Abre-se aos poucos a casa descarnada, recortadas em renda suas paredes. Geme o telhado, cedem as estruturas.
Até que tudo vem abaixo numa grande nuvem de pó.
Agora com as unhas, raspam os familiares o monte de entulho.

Quem sabe, sob os escombros espera, escondido,
o diamante.
Esta estória poderia ter acontecido em várias cidades, povoados ou comunidades do Vale como Barra de Salinas, Ouro Fino ou Morro Redondo em Coronel Murta, Taquaral em Itinga, Araçuaí, Padre Paraíso e Virgem da Lapa. Vários moradores já derrubaram paredes e até casas, seguindo a "linha" do veio de pedra preciosa, com a participação da família inteira.
Originalmente, este texto foi publicado como Pequena Fábula de Diamantina, do livro Contos de amor rasgados, de Marina Colasanti, publicado em 1986.
Esperamos que ela aprecie a breve mudança do título da sua fábula.

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