quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um homem de Queixada, no Vale do Jequitinhonha

Um homem de Queixada, no Vale do Jequitinhonha
Histórias e vivênicas da Estrada de Ferro Bahia-Minas

Senhor Antônio Campos, comerciante e fazendeiro em Queixada, Novo Cruzeiro, Médio Jequitinhonha. Foto Marcos Lobato.
Por volta do meio-dia de 9 de janeiro de 2007, deixei Araçuaí rumo a Novo Cruzeiro, 79 km ao sul de Araçuaí. Atravessei trechos da depressão do Jequitinhonha, no baixo curso do rio Araçuaí. Muita poeira e sol abrasador, céu azul sem nuvens – nenhum sinal de chuva. De ambos os lados da estrada, pequenas fazendas de gado salpicadas na caatinga. Mas a paisagem muda à medida que se penetra o vale do rio Gravatá. Vale que começa largo e gradativamente estreita-se, encaixotando o rio a montante do povoado de Alfredo Graça, antiga estação ferroviária. Espaço de transição, nesse vale a caatinga, o cerrado e a mata estacional compõem mosaico complexo, bem verdinho na estação das chuvas.

Já nas proximidades de Alfredo Graça, a atual estrada de rodagem aproveita trechos desativados da ferrovia Bahia-Minas, que ligou Ponta de Areia (Caravelas, BA) a Araçuaí. Alfredo Graça, Engenheiro Schnoor e Queixada foram estações que se tornaram povoados, hoje demasiadamente calmos, seguindo o ritmo dos bois e das roças.

No povoado de Queixada, a antiga estação da Estrada de Ferro Bahia-Minas abriga um botequim. Duzentos metros adiante da estação, situa-se a venda de Seu Antônio Geraldo de Souza Campos, que também é proprietário de pequenas fazendas ao redor do povoado de Queixada, distrito de Novo Cruzeiro. Na década de 1960, o Seu Antônio Campos foi vereador em Novo Cruzeiro e, dessa posição privilegiada, acompanhou a desativação progressiva da estrada de ferro. No ano de 1928, a Bahia-Minas havia chegado em Gravatá (nome antigo da cidade), tornando-se o principal empregador do município e orgulho da população local. A estação de Novo Cruzeiro era, tal como ocorreu em outras cidades interioranas, o ponto de encontro dos moradores da “rua’ e da “roça”, o lugar de chegada das novidades e notícias de fora, além de definir a distribuição do comércio e das casas – eram mais valorizados os espaços contíguos à estação. Todavia, no início dos anos 1960, a ferrovia estava prestes a ser desativada. O que acabou ocorrendo no ano de 1966.
. Antônio Campos, comerciante e fazendeiro em Queixada, MG.
Desde então, os moradores de Novo Cruzeiro nutrem saudosa memória dos tempos de auge da linha de trem, das marias-fumaças, do movimento na estação, dos turmeiros, maquinistas e agentes de estação. Ainda hoje, passados mais de 40 anos de desmonte da ferrovia, os desfiles de 7 de Setembro trazem para a rua principal – que se confunde com o antigo leito da linha – maquetes de estações, composições ferroviárias, pontilhões e caixas d’água. Em Queixada, com as portas de sua venda voltadas para a estação de Queixada, Seu Antônio Campos também rumina dolorosamente o fim da Bahia-Minas. Este é seu assunto obrigatório na conversa com visitantes.

O Seu Antônio Campos, alto, magro, cabelos brancos, rosto muito vívido e modos agitados, fala com eloqüência, expondo de forma incisiva suas opiniões. Como outros moradores que ouvi em diversas cidades do Vale do Jequitinhonha, ele está completamente descrente com a política local. Não vê os prefeitos apresentarem propostas sérias e bem articuladas, e diz que até mesmo a noção de “bem do povo” praticamente se perdeu nessas bandas e no país. O Seu Antônio atribui a decadência econômica de Novo Cruzeiro, e notadamente de Queixada, ao fim da Estrada de Ferro Bahia-Minas.
Estação de Arassuaí, em 2004. Foto de Custódio NetoSegundo ele, nos anos 1960, o município era chamado de o “celeiro do Vale do Jequitinhonha” e chegou a ser o maior produtor de alho de Minas Gerais. As grandes fazendas da região produziam muito milho, arroz, feijão e criavam gado e porcos. Cada uma delas abrigava, em média, 60 famílias de trabalhadores rurais em suas terras. Cada fazenda possuía de 60 a 80 capados e havia propriedades que ostentavam rebanhos de mais de mil bovinos. As mais dinâmicas eram as fazendas do Sobrado, da Lagoa e do Borá, que também fabricavam expressiva quantidade de cachaça. Delas, praticamente restou a fazenda do Borá, voltada para a exportação de cachaça. As demias foram sufocadas lentamente pela perda da estrada de ferro, que as privou de ligação rápida e barata com os grandes centros consumidores.

Para Seu Antônio Campos, a Bahia-Minas era lucrativa. Havia carga em quantidade, riqueza produzida nas roças da beira da linha. O que faltou teria sido administração competente e republicana. A corrupção, a má administração e a politicagem dos chefes regionais teriam falido a ferrovia, que acabou desativada em 1966. Esses fatores, responsáveis pelo fim da ferrovia, já teriam surgido desde o momento de sua construção. Senão, raciocina Seu Antônio Campos, não se poderia compreender como a Bahia-Minas demorou tanto para ficar pronta. Ela começou a ser construída na década de 1890, chegou a Araçuaí somente em 1942, e acabou vinte e quatro anos depois.

Hoje, por causa desse absurdo, conforme Seu Antônio Campos, as fazendas no município de Novo Cruzeiro estão vazias, os moços migraram para São Paulo e as moças transformam-se em empregadas domésticas nas cidades de Teófilo Otoni, Governador Valadares e Belo Horizonte. Apenas a extração de granito cresce, apesar da falta de estrada para os caminhões.

Por Marcos Lobato Martins, no www.minasdehistoria.blogspot.com . Professor universitário em Diamantina e Pedro Leopoldo.

4 comentários:

Garota do vale disse...

Nossssssssssa que materia bacana!!!Não me canso de ler e reler,me orgulho muito por ser filha desse lugar..

Unknown disse...

me orgulho de ser gente desse lugar,minas gerais que amo tanto...

Unknown disse...

muito boa essa materia isso tudo e verdade; so quero aqui fazer um apelo as autoridades,as pessoas que realmente pode nos ajudar,voce que tem influencia,voce que saiu daqui[queixada]mudou de vida nem pensa em voltar aqui;nos ajude se nao isso tudo vai acabar[.cade o asfalto para substituir a lina de ferro bahia minas]Obrigado [rodrigo]

Unknown disse...

Que historia linda, nasci no schnoor, tomei muitos banhos no ri gravatá andei muitas vezes do schnoor até o borá, Fazenda de café onde meu pai, Castolino trabalhava, fazia esse caminho desde os 9 anos de idade, era pura ventura, sinto muita saudades!!! Muito obrigada por essa matéria linda! Amei

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