domingo, 30 de janeiro de 2011

Dona Luruca e o inventar a vida

Araçuaí: Dona Luruca e o inventar a vida

A região do Jequitinhonha submeteu-se a vários ciclos econômicos desde a sua colonização. No final do século XVIII, por força da extração do diamante e do ouro, chegou a ser, no Brasil, a mais importante área de atração de população.

No século seguinte, até as primeiras décadas dos novecentos, tornou-se área de imigração, quando a expansão da criação de gado trouxe mineiros de outras regiões: nordestinos, principalmente baianos, como a família de Maria da Conceição, a “Dona Luruca”, que chegou em Araçuaí no começo de 1940.


ARAÇUAÍ
Comunidade Baixa Quente
Mestra
Maria da Conceição

“Sou filha de baianos. Lembro de meu pai contar sobre os revoltosos, sobre Lampião. Ele tinha medo das coisa que acontecia lá no sertão da Bahia. Assim veio primeiro uns parente pra Minas, chegaram até Teófilo Otoni. Depois veio vindo procurando trabalho até chegar aqui na Baixa Quente. Meu pai chamava Zizuino Miguel da Silva e contava que ele e mais umas dez família acamparam aqui. Então ficaram. Os antigo tinha dado o nome do lugar de Bom Jesus de Aguada Nova, mas quando eu nasci sempre o povo chamou de Baixa Quente”.

É comum ouvir entre antigos moradores da região de Araçuaí, onde está situado o distrito em que mora Dona Luruca, historias sobre a Coluna Prestes e de Lampião andando pelos sertões do nordeste brasileiro. O povo tinha medo, mas também admiração pelos que chamavam de “revoltosos”. Lampião nasceu das contradições e dos conflitos da terra, da violência do campo imposta pelos coronéis latifundiários, por políticos corruptos e pelo clero aliado da aristocracia sertaneja. Virou um mito da cultura popular.

“No meu tempo de criança, saia zanzando pela aí, panhando lenha, zunindo passarim de bodoque, campeando os burros e a criação. Naquele tempo, a vila parecia não ser de ninguém, mas era de todo mundo, porque não havia cerca, as porta vivia aberta. Não tinha escola direito, então nos aprendia com os outro essas coisas do lugar, da natureza, das crença. Assim, mamona não podia queimar, porque Nossa Senhora fez óleo da mamona pra Jesus, dizia o pessoal. Minha mãe, que se chamava Marcionília Maria de Jesus, dizia que imbaúba não podia queima, porque, quando Nossa Senhora fugiu com Jesus, a imbaúba abriu a ela escondeu o filho lá dentro. Aprendemo também que toda planta é remédio, Hoje mudou muito. A gente planta, mas não dá mantimento. Essa mata que há por ai já foi maior, tinha muito pau, hoje o povo de fora estragou demais”.

A pecuária se consolidou, ao longo do tempo, nesse território, especializada na cria, na recria e no abete do gado. Este chegou pelos principais vales do rio Jequitinhonha e e seus afluentes. Em alguns trechos, o gado encontrava “salinas”, que constituíam importantes fontes para seu sustento, o que foi decisivo para a expansão de rebanhos na região. A pecuária concentrou o único meio de produção disponível: a terra. A ausência de políticas publicas capazes de assegurar aos camponeses uma maneira de viver digna e a falta de crédito, de energia elétrica, de escolas colocaram as pessoas nas mais primárias condições de subsistência. Restou ao sertanejo sua única riqueza: inventar.

“Meu pai criou os 14 filhos com a arte que aprendera com meus bisavós: trançar cipós que aqui tinha muito. Não tinha outro trabalho; a casa, muito cheia de filhos, fazer corda foi o que nos deu valença. Depois, o povo que mexia com gado precisava de muita corda. Meus irmão e eu sentava junto ao meu pai e lee foi ensinando como trança o imbira de caroá. Ensinou pra nós, ensinou pro povo todo de Baixa Quente.

Com o espaço do tempo, o serviço aumentou, fazia corda em quantidade grande; as pessoa vinha de Francisco Badaró, Virgem da Lapa, Jenipapo de Minas fazê encomenda; era como se fosse uma aldeia, todas as família trabalhava trançando o caroá; os homem trançava o embiruçu, que era mias bruto, tinha de tira com machado, mas as mulheres e crianças tinha oficio com a imbira de caroá. Uns também fazia chapéu, sela de montaria e coisas de couro que havia bastante.
Era muita faina, e sempre os homem saia pra vender o produto na região. Eles combinava tudo: segunda-feira nós saía às 4; não, ta bom de ir às 5 hora da manhã? E o preço? Combinava o preço e saia a tropa de burro carregada. Cada burro levava uns quarenta a cinqüenta quilo de corda. Nós criou com isso, criou nossa família. Hoje já sou avó”.

Na década de 1970, introduziu-se no Jequitinhonha o plantio em grande escala de eucalipto, medida adotada pelos governantes para atender às siderúrgicas no Vale do Aço. Em sua fase inicial, demandou grande quantidade de mão-de-obra para o preparo da terra e o plantio.


Apesar das vantagens econômicas iniciais, nos anos 80 acirraram-se os debates sobre os impactos ambientais da cultura. A monocultura do eucalipto e sua alta exigência hídrica comprometeram os bolsões de umidade na região.

Por outro lado, alteraram-se as relações sócias, principalmente nas estruturas agrárias e fundiárias, o que fez acentuar as disparidades sociais no Jequitinhonha, remetendo à critica e que, se houve alguma modernização benéfica, esta foi para os grandes proprietários.

“Hoje o povo anda tudo de carro, ônibus, acabou o transporte animal que era o que mais gastava as corda que nós fazia. Assim foi rareando os fregueses. Com a invenção das corda de plástico então acabou tudo. Panela de barro. Corda e fazedor de chapéu, que foi sustento de nós rodo na Baixa Quente, acabou. Tenho saudade daquele tempo.

Naquela época todo mundo trabalha junto. Isso era bom. A gente tinha certeza, a carestia era pouca. Comprei muito quarto de rapadura por 200 réis, com pouco dinheiro se fazia uma feira grande. Hoje tem coisas boas que é a luz, tem condução, tem água na torneira, tem filho nosso que hoje é professor, tem até advogado. Esta terra onde pouco chove, mas o mato ainda é verde, nos ajudou a vive”.

Ainda hoje, o sertão do Jequitinhonha aparece na imaginação social das pessoas que habitam as grandes cidades como um lugar do inculto, do incivilizado, do tradicionalismo ou da resistência à mudança, do atraso.


A história de Dona Luruca e do povo de Baixa Quente revela outra dimensão: este é o espaço do autêntico, do nacional legítimo, dos traços mais puros do ser humano. Eles sobreviveram à indiferença das elites e criaram suas famílias com dignidade, transformando o que a natureza lhe deu em objetos úteis e belos, transformando, ao mesmo tempo, a si mesmo.

Fonte: Livro-Regaste cultural dos vale dos rios Jequitinhonha e São Francisco

Lambido do Blog de minasnovenses e amigos: ventosdovale

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