sábado, 21 de maio de 2011

A PRIMEIRA TELEVISÃO É A QUE FICA

A PRIMEIRA TELEVISÃO É A QUE FICA
Alânderson Silveira Machado


Em menos de dois anos, o progresso chegou como uma tromba d’água em Berilo. Luz, água tratada, saneamento, banheiro com azulejo, chuveiro quente/frio, vaso sanitário, pia, geladeira, fogão a gás. E veio depois a diversão favorita dos brasileiros: a televisão. As primeiras imagens em preto e branco surgiram pela primeira vez em minha casa no aparelho Colorado RQ no início de uma noite qualquer do verão de 1975.

Machadinho, meu pai, e um grupo de mais ou menos cinco homens foram numa rural e num jipe para um dos montes mais altos na estrada para Chapada do Norte. Lá havia sido instalada uma torre de transmissão. Eu era o único menino curioso que insistiu para ir. Já era final de tarde, escurecia. Ninguém queria subir na torre, que era muito alta, para fazer as conexões. O equipamento estava pronto.



Pegaram emprestado do pessoal da Cemig uma escada grande e o cinto para subir com segurança. Aílson, meu irmão mais velho, que estava de férias na cidade, tomou coragem e escalou a torre com desenvoltura como se fosse uma grande árvore que costumava subir na sua infância. Seguiu as instruções direitinho, apesar da literal tensão no ar. Logo que ele desceu, os motores dos carros aceleraram e partimos logo.



A ansiedade era grande. Chegamos na nossa casa na rua de cima (Francisco Badaró Jr). Aílson subiu rapidamente no telhado e virou a antena na direção do morro. Lá embaixo, meu pai já havia conectado o cabo da antena externa ao aparelho.



Eu me sentei no chão da sala com outros meninos. Olhava intrigado para aquela caixa de madeira escura com aquele vidro grande embutido. Machadinho ligou a máquina e, de repente, surgiu um enxame de maribondos com um barulho ensurdecedor. Todos se assustaram e protegeram o rosto por instinto. Um rapaz gritou de longe: “Deixa de ser bobo, sô! O povo lá de São Paulo fala que isso é chuvisco, chuvisco, entenderam?” O engraçado é que os maribondos não saíam daquela tela de vidro.



As mãos de meu pai giravam o seletor e alguns botões. Conseguiu baixar o volume. Os “maribondos” continuavam lá, movimentando-se alucinadamente, mas inofensivos e em silêncio. E então surgiu uma espécie de onda preta e branca, mais outra, até que, finalmente, apareceu uma imagem borrada, depois um pouco mais definida.


Meu pai aumentou o volume. Ouvimos alguns diálogos entrecortados e gente se mexendo naquela caixa estranha e fascinante. E veio o verbo, a imagem em movimento, o fundo musical e a mágica de tudo aquilo junto.



Quando a imagem firmou e ficou mais sincronizada com o som, todos gritaram eufóricos e batiam palmas. Era o horário de uma novela da TV Tupi de São Paulo.


A sala de estar estava cheia de gente. Muita gente curiosa se acotovelava nas duas janelas abertas da casa para assistir à novidade.. E ficamos boquiabertos com aquela nova tecnologia. Ninguém queria ir embora.



Depois de uma hora de transmissão, a imagem começou a falhar. E começou um zum zum de comentários sobre o que presenciaram.


Um engraçadinho gritou, rindo: “Minha Nossa Sinhora dos Pobres! Isso é coisa do capeta!!” Todos riram e voltaram para suas casas, sabendo que amanhã a imagem voltaria por mais tempo e melhor.


Um novo mundo que veio para ficar, para sempre.


Alânderson Silveira Machado é natural de Berilo, no Médio Jequitinhonha-Minas. É ator e escritor. Autor do livro "O Teatro de Mauro Rasi, Miguel Falabela e Vicente Pereira - Besteirol e Carnavalização", Prêmio BDMG de Literatura/1992 - Ensaio. Mora em Belo Horizonte, desde 1978.

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