segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A garota assassinada e a ruína do gigante

 A garota assassinada e a ruína do gigante
Primeiro, os personagens. A garota era Milly Dowler. O gigante é a News Corp, multinacional de mídia que era a dona do tabloide inglês News of the World. Agora, a trama. Em 21 de março de 2002, aos 13 anos, Milly foi sequestrada a caminho da escola. Seu corpo foi encontrado cerca de seis meses depois. Em 2011, ela parece que voltou a viver. Para vingar-se – não de seus assassinos, mas daqueles que exploram sua tragédia para lucrar com ela.

Hoje, as evidências indicam que o News of the World invadiu a caixa postal do celular de Milly dias depois do
sequestro, quando ela já estava morta (mas, àquela altura, ninguém ainda sabia disso). Detetives particulares contratados pelo jornal apagaram mensagens gravadas ali e, assim, fizeram os familiares pensarem que Milly estava viva. Essa ilusão deu fôlego para o suspense e, naturalmente, rendeu lucros ao impresso, que cobria a história.

Essa revelação estarreceu a opinião pública no Reino Unido. A mesma sociedade que fazia do News of the World um campeão de vendas (com cerca de 2,7 milhões de exemplares por edição), rompeu com ele. Os anunciantes voltaram-lhe as costas. Em julho, os donos do jornal decidiram fechá-lo. Por total e absoluta desmoralização, uma publicação com 168 anos deixou de existir...

Não é apenas o capital que se globaliza. Não são apenas as massas de trabalhadores que furam fronteiras para disputar empregos. Não é apenas a mercadoria que viaja na velocidade da luz. A ética também se torna mais sensível – e os deslizes trazem desdobramentos que seriam impensáveis...

Não é provável que toda a News Corp entre pelo ralo, mas boa parte dela já foi para o esgoto. O que foi perdido, perdido está. Em matéria de imprensa, a credibilidade leva décadas para ser construída e poucas semanas para ser destruída. E credibilidade é o maior patrimônio que uma publicação pode ter.

Que ninguém se iluda. Essa verdade é bem mais antiga que as economias globalizadas. O valor da reputação já é o que é desde as primeiras civilizações. Agora, porém, a transparência é maior. Os segredos caem por terra. A notícia escapa. Cedo ou tarde, a verdade aparece. A exigência do público – por mais que adore fofocas envolvendo celebridades – também aumenta.

Fazer jornal não é mais tão simples. E isso por incrível que pareça, é uma boa notícia. Na verdade, isso tudo é uma notícia muito boa.

Eugênio Bucci e Sílvio Augusto, Revista Carta na Escola, set. 2011.


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