segunda-feira, 19 de março de 2012

Vale do Jequitinhonha: Municípios que se emanciparam estão mais pobres do que antes


Municípios do Jequitinhonha que se emanciparam
estão mais pobres do que antes
Por Daniel Camargos, do Estado de Minas 
Nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, a população das novas cidades ainda aguarda pela promessa de um futuro promissor. IDH dos municípios de origem é maior que dos novatos

Angelândia e Setubinha - Rafael, Samuel, Luciene, Lucimar, Luiz, Ana Luiza e Maria Luiza são todos filhos de Antônia Luiza Neta, de 35 anos. Os sete também são herdeiros da triste realidade de Setubinha, no Vale do Mucuri, a cidade com o mais baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH)de Minas Gerais. Tranformada em município desde o final de 1995, na última onda de emancipações das cidades mineiras, o povoado que era distrito de Malacacheta potencializa um problema comum às novatas: não consegue viabilizar oportunidades para os moradores e se sustenta essencialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

"Melhorou porque a cidade tem médico. Antes tinha que fazer uma
vaquinha para alugar um carro e ir até Malacacheta". 
Antônia Luiza Neta, sete filhos, de Setubinha
“Vem um pessoal de Belo Horizonte aqui e faz caridade. Deixam sempre uma cesta básica. Eles também ajudaram a fazer dois cômodos na minha casa”, conta Antônia. Os dois primeiros filhos, de 16 e 12 anos, são de um casamento já desfeito. Os outros cinco (9,7,5,2 anos e três meses de idade) são filhos do atual marido, Luiz Teixeira Salomão, de 79 anos. A renda do salário mínimo da aposentadoria de Luiz é que sustenta os sete filhos. Os outros oito filhos do primeiro casamento de Luiz não contam mais com a ajuda do pai, que com problemas de visão ficou impedido de fazer as cangaias (artefato usado nos burros para carregar lenha), antes usadas para complementar a renda.

A situação da família de Antônia é pior porque Luiz, de 5 anos, teve que fazer uma colostomia. “O que chega do salário do meu marido é R$ 140. Fizemos vários empréstimos para tratar do Luiz e agora é tudo descontado”, lamenta Antônia. Mesmo assim ela entende que antes, quando Setubinha era apenas um distrito, a situação era pior. “Melhorou porque a cidade tem médico. Antes tinha que fazer uma vaquinha para alugar um carro e ir até Malacacheta”, lembra Antônia.
O nome de Setubinha é pomposo. Vem dos colonizadores portugueses, que chamaram um dos rios que cortam a terra que povoaram de Setúbal, homenagem ao distrito português. A região ficou conhecida como pequena Setúbal e, mineiramente, foi transformada em Setubinha. Porém, as semelhanças com a inspiradora européia param aí. Setubinha, no Vale do Mucuri, no limite com o Vale do Jequitinhonha, ostenta o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as 853 cidades mineiras.

O prefeito de Setubinha, João Barbosa, o João do Téo (PSDB), recebeu a cidade já com o fardo do IDH. Mas João não pode colocar a culpa da realidade nos antecessores políticos, pois seu pai, Téo Barbosa, foi o primeiro prefeito da cidade emancipada, ficando no cargo de 1997 até 2004. O prefeito atual também não pode se gabar de ter experiência para o imenso desafio, pois é o segundo prefeito mais jovem do Brasil, com 26 anos. Quando eleito, tinha 23.

O pai de João foi também vereador em Malacacheta, antes da emancipação, de 1988 a 1995, e um dos entusiastas para que Setubinha se transformasse em cidade. Os ganhos, segundo o prefeito, foram muitos. “Construí seis policlínicas na área rural, tenho três equipes do Programa de Saúde da Família e três dentistas”, enumera João, que administra uma cidade com 10,8 mil habitantes, sendo 80% na área rural.

Salário de R$ 8 mil

Com um orçamento mensal que varia entre R$ 500 mil e R$ 550 mil, mais de 90% são provenientes do FPM. Somente com pagamento dos funcionários da prefeitura os gastos chegam a R$ 420 mil. O prefeito também tem um pedaço farto desse bolo, com o salário de R$ 8 mil. Mas os principais gastos, segundo o prefeito, são com a saúde. “Para conseguir atrair um médico para trabalhar aqui preciso pagar um salário de R$ 17 mil”, afirma.

“O principal problema na cidade é moradia, principalmente na área rural, e banheiro. Muitas famílias não o tem dentro de casa”, detalha o prefeito. É o que ocorre na casa de Geraldo Rodrigues Marques, de 51 anos. Morador da Zona Rural, do local conhecido como Promotório, Geraldo tem nove filhos, sendo que o mais velho tem 18 anos e o mais novo 6. “Planto mandioca, abacaxi, milho e feijão. Tiro parte para alimentação e vendo o resto”, explica Geraldo, que consegue cerca de R$ 100 por mês e conta para a sobrevivência com o Bolsa-Família, que garante mais R$ 268 por mês.

IDH revela pobreza

Ferramenta usada pelas Nações Unidas para avaliar o grau de desenvolvimento dos países, estados e cidades, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ajuda a entender que a emancipação nem sempre é sinônimo de desenvolvimento. Setubinha tem IDH de 0,568, o mais baixo do estado, bem inferior ao cidade que lhe deu origem, Malacacheta (IDH de 0,653). O mesmo acontece com Angelândia (IDH de 0.635) e Capelinha (0.673). Quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento da cidade. O melhor IDH de Minas Gerais é de Poços de Caldas, na Região Sul: 0,841. O IDH da Noruega, o mais alto do mundo, é 0,943. O do Congo, na África, 0, 286.

Fuga de divisas e empregos

Angelândia, no Vale do Jequitinhonha, também foi emancipada na mesma época de Setubinha, no final de 1995. Antigo distrito de Capelinha, inicialmente chamada de Vila dos Anjos, a cidade não sofre com a miséria de Setubinha, mas sofre do mesmo problema: a dependência do FPM. A prefeita Zélia Cardoso de Souza (PSDB) explica que dos R$ 500 mil de receita por mês mais de 80% vêem do FPM, sendo que o restante é proveniente do Imposto de Circulação sobre Mercadoria e Serviços (ICMS).

“Somos grandes produtores de café, mas o café não é faturado aqui. Vai todo para Capelinha, que fica com o ICMS”, reclama a prefeita, que diz pleitear a instalação de um posto da Receita Estadual na cidade para evitar a fuga de divisas. Outro problema, típico das cidades jovens, é o grande compromisso do orçamento com o pagamento dos funcionários públicos. “Tenho 49% do dinheiro comprometido com o funcionalismo. Estou próxima do limite permitido pela lei, que é de 54%”, lamenta a prefeita.

Para não ficar totalmente dependente do FPM, o desejo da prefeita é conseguir atrair uma indústria para a cidade, aumentando assim a arrecadação do ICMS e a disponibilidade de empregos. “São pouco mais de 8 mil habitantes aqui. Porém, muita gente saiu da cidade para trabalhar. É gente que gosta da cidade e que, se tivesse emprego, continuaria aqui”, entende a prefeita. Estimativas da prefeitura calculam que 2 mil pessoas vivem e trabalham em Nova Serrana, no Centro-Oeste do estado, onde a indústria de calçados é forte em Conchal (SP), nas lavouras, principalmente de cana-de-açúcar.

Elisângela Fagundes de Oliveira, de 27 anos, é viúva e tem três filhos. Conseguiu um emprego de babá, gosta da vida em Angelândia e é justamente a pouca oferta de empregos o que a desagrada na cidade. “Tem pouca oportunidade. A maioria trabalha na prefeitura ou em algum comércio, mas não tem para todo mundo”, entende Elisângela. (DC).

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