segunda-feira, 8 de junho de 2015

Um novo jeito de fazer política

O que podemos aprender com Ada Colau

 e a   nova política da Espanha.



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Ativista de movimentos sociais e feminista, Ada Colau é a nova prefeita de Barcelona, na Espanha. 


Saí do Brasil em julho de 2013, em meio à convulsão política que marcou as manifestações das quais tive a oportunidade de participar ativamente no Rio de Janeiro. Cheguei aqui em Barcelona com um monte de caraminhola na cabeça, em um país mergulhado em forte crise político-econômica e que ainda questionava os significados do 15M, abreviatura para 15 de maio, marco das manifestações dos Indignados em 2011 na Espanha. Em 2014, o Podemos, de Pablo Iglesias, emergiu como primeiro reflexo concreto das pautas difusas que marcaram o 15M.

Foi impossível não perceber as similaridades entre as situações dos dois países. Tal qual a Espanha, o Brasil passava e ainda passa por uma crise de representatividade muito forte, em que uma boa parte da população não se sente mais contemplada por nenhum dos principais partidos que estão no poder. No Brasil, um asco cada vez maior por PT, PSDB, PMDB assola o país.

Aqui, a falta de confiança em PP e PSOE (que tal qual o PT passou a ser questionado como partido representante da esquerda) fez emergir das ruas (dos Indignados) essa nova onda política que leva em consideração a cidadania, a plena inclusão das minorias nas decisões políticas e a sustentabilidade. E que, nas últimas eleições municipais, acabou por consagrar nas urnas as campanhas irmãs de Ada Colau, em Barcelona, e de Manuela Carmena, em Madri.

Aqui em Barcelona é impossível não se contagiar por essa onda de otimismo trazida pela eleição de Colau para ser a primeira prefeita mulher da cidade. Jovem (tem 41 anos), ativista aguerrida, ex-líder de um coletivo que luta pelos despejados (Plataforma de Afetados pela Hipoteca) e feminista, Colau é a cara mais visível da revolução democrática que desponta na cidade. Revolução esta que usa de novas ferramentas para oferecer o que deveria ser óbvio numa democracia: abrir as portas para ouvir o cidadão comum, incluí-lo no processo de gestão e conceder não só o direito sagrado à manifestação, como incentivá-lo.

Marcado pela horizontalidade e pela uso das redes sociais para mobilizar, o Barcelona en Comú (coalizão entre partidos de esquerda da cidade) tem como lema "caminhar perguntando e mandar obedecendo". Criou-se uma plataforma cidadã que inteligentemente soube integrar em rede movimentos sociais, associações de bairros e até mesmo qualquer cidadão com desejo de participar do processo (incluindo imigrantes sem direito a voto).

"Barcelona em Comú não está simplesmente propondo recuperar serviços públicos que foram privatizados, fazer um modelo econômico de cidade mais justo, mais responsável, social e ambientalmente, mas sobretudo propomos uma outra forma de governar. O que estamos dizendo é que a cidadania é o que coordena nossas propostas, com a denúncia da corrupção, na exigência de transparência e nas práticas de participação política", disse Colau na conversa que tive com ela.
Assim, a coalizão conseguiu montar uma candidatura marcada pela diversidade, que inclui muitos dos perfis mais potentes do ativismo barcelonês. A partir daí,construiu-se um programa no qual se vê um forte reflexo das demandas sociais. Entre as propostas estão a criação de uma espécie de Bolsa Família municipal que servirá para complementar a renda dos mais pobres, a realocação de verbas das áreas turísticas para as regiões mais necessitadas e a intermediação de conflitos entre a população vulnerável e os bancos para evitar novos despejos, criando aluguéis sociais.
"Hoje temos governos que tratam o cidadão como um incômodo, como uma ameaça que questiona o poder", ponderou a prefeita recém-eleita, o que imediatamente me remeteu a como os protestos no Brasil foram brutalmente reprimidos pela atuação das Polícias Militares. Aqui na Espanha, nem Colau passou incólume à repressão policial. Quando lutava ao lado dos despejados em 2013, foi fotografada sendo detida. Menos de dois anos foram necessários para que ela passasse de manifestante a prefeita.
"Deveria ser tudo ao contrário. Em Barcelona temos um tecido social, cultural e profissional muito organizado e militante, acima da média de outras cidades. Esse esse é o nosso maior tesouro. Se você consegue liderar um projeto coletivo que todo mundo tem como seu e sente que pode contribuir com seu grão de areia, essa é a melhor garantia de êxito para o conjunto da cidade. Por isso, creio que Barcelona pode ser pioneira em outra forma de governar, não só para a cidadania, mas com a cidadania."
Comecei a acompanhar de perto a inspiradora caminhada de Colau desde a arrancada da campanha no comício que fez ao lado de Pablo Iglesias em Nou Barris, tradicional reduto da classe operária e da esquerda barcelonesa. Ambos afrontam diretamente o grande capital, não se intimidam ao chamar de mafiosos líderes de grandes conglomerados e outros políticos e atacam os bancos, que por conta da crise de 2008, acabaram sendo resgatados pelos governos.


"Há uma revolução democrática em marcha e podemos fazer com que Barcelona seja a ponta de lança dessa mudança", disse Colau em um dos comícios que presenciei em sua campanha.


Como jornalista, seria injusto não compartilhar essa experiência e nos fazer refletir sobre novos experimentos políticos que surgem para tentar nos inspirar a sair do pessimismo e da crise política nos quais o Brasil está mergulhado.


Na entrevista que fiz com Colau, uma reflexão sua me chamou a atenção: "Creio que um erro que aprendemos coletivamente foi pensar que, depois da saída da ditadura nos anos 70, a democracia havia sido conquistada. Nos explicaram a democracia como um ponto de chegada, como algo já feito e acabado. Isso foi um erro. A democracia se constrói a cada dia ou não há democracia real. O poder sempre necessita de uma cidadania vigilante, de movimentos sociais que se manifestem porque o poder não se autocontrola. Além disso, não somos ingênuos. Vivemos em um mundo globalizado em que há poderes econômicos mais fortes do que qualquer parlamento. É necessário que, mesmo depois das eleições, a cidadania siga mobilizada para por suas prioridades na agenda política."

LEIA A ENTREVISTA COMPLETA COM ADA COLAU.


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