sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Leonardo Boff: Os equívocos do PT e o sonho de Lula



“O PT deve ao povo brasileiro uma autocrítica nunca

feita integralmente para se transformar numa fênix que 

ressurge das cinzas”. 

Para teólogo, partido cometeu erro fatal ao aceitar a 

opção de Lula pelo presidencialismo de coalizão em 

detrimento de suas bases sociais

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Leonardo Boff*
Durante quatro a cinco décadas houve 
vigorosa movimentação das bases populares
da sociedade discutindo que “Brasil queremos”, 
diferente daquele que herdamos. Ele deveria 
nascer de baixo para cima e de dentro para 
fora, democrático, participativo e libertário. 
Mas consideremos um pouco os antecedentes 
histórico-sociais para entendermos 
por que esse projeto não conseguiu 
prosperar.
É do conhecimento dos historiadores, mas muito pouco da população, como foi cruenta
a nossa história tanto na Colônia, na Independência como no reinado de Dom Pedro I, 
sob a Regência e nos inícios do reinado de Dom Pedro II. As revoltas populares, 
de mamelucos, negros, colonos e de outros foram exterminadas a ferro e fogo, a maioria 
fuzilada ou enforcada. Sempre vigorou espantoso divórcio entre o Poder e a Sociedade. 
Os dois principais partidos, o Conservador e o Liberal, se digladiavam por pífias reformas 
eleitorais e jurídicas, porém jamais abordaram as questões sociais e econômicas.
O que predominou foi a entre os partidos e as oligarquias, mas sempre sem o povo.
Para o povo não havia conciliação, mas submissão. Esta estrutura histórico-social 
excludente predominou até aos nossos dias.
No entanto, pela primeira vez, uma coligação de forças progressistas e populares,
hegemonizadas pelo PT, vindo de baixo, chegou ao poder central. Ninguém pode
negar o fato de que se conseguiu a inclusão de milhões que sempre foram postos 
à margem. Far-se-iam em fim as reformas de base?
Um governo ou governa sustentado por uma sólida base parlamentar ou assentado
no poder social dos movimentos populares organizados.
Aqui se impunha uma decisão. Na Bolívia, Evo Morales Ayma buscou apoio na vasta
rede de movimentos sociais, de onde ele veio como forte líder. Conseguiu, lutando
contra os partidos.
Depois de anos, construiu uma base de sustentação popular, de indígenas, de
mulheres e de jovens a ponto de dar um rumo social ao Estado e lograr que mais 
da metade do Senado seja hoje composta por mulheres. Agora os principais partidos 
o apoiam e a Bolívia goza do maior crescimento econômico do continente.
Lula abraçou a outra alternativa: optou pelo Parlamento no ilusório pressuposto
de que seria atalho mais curto para as reformas que pretendia. Assumiu o 
presidencialismo de coalizão.
Líderes dos movimentos sociais foram chamados a ocupar cargos no governo,
enfraquecendo, em parte, a força popular.
Lula, mesmo mantendo ligação com os movimentos de onde veio, não via neles o
sustentáculo de seu poder, mas a coalizão pluriforme de partidos. Se tivesse observado 
um pouco a história, teria sabido do risco desta política de coalizão que atualiza a 
política de conciliação do passado.
A coalizão se faz à base de interesses, com negociações, troca de favores e concessão
de cargos e de verbas. A maioria dos parlamentares não representa o povo, mas os 
interesses dos grupos que lhes financiam as campanhas. Todos, com raras exceções,
falam do bem comum, mas é pura hipocrisia. Na prática tratam da defesa dos bens 
particulares e corporativos. Crer no atalho foi o sonho de Lula que não pode se 
realizar.
Por isso, em seus oito anos, não conseguiu fazer passar nenhuma reforma,
nem a política, nem a econômica, nem a tributária e muito menos a reforma
agrária. Não havia base.
A “Carta aos Brasileiros”, que na verdade era uma Carta aos Banqueiros, obrigou
Lula a alinhar-se aos ditames da macroeconomia mundial. Ela deixava pouco espaço
para as políticas sociais que foram aproveitadas tirando da miséria 36 milhões de
pessoas. Nessa economia, o mercado dita as normas e tudo tem seu preço. 
Assim parte da cúpula do PT, metida nessa coalizão, perdeu o contato orgânico 
com as bases, sempre terapêutico contra a corrupção. Boa parte do PT traiu
sua bandeira principal que era a ética e a transparência.
E, o pior, traiu as esperanças de 500 anos do povo. E nós que tanta confiança
depositávamos no novo, com as milhares de comunidades de base, as pastorais
sociais e os grupos emergentes…
Elas aprenderam articular fé e política. A mensagem originária de Jesus de um Reino
de justiça a partir dos últimos e da fraternidade viável, apontava de que lado deveríamos
estar: dos oprimidos.
A política seria uma mediação para alcançar tais bens para todos. Por isso, as centenas
de CEBs não entraram no PT; fundaram células dele e grupos, como instrumento para 
a realização deste sonho.
O partido cometeu um equívoco fatal: aceitou, sem mais, a opção de Lula pelo
problemático presidencialismo de coalizão. Deixou de se articular com as bases,
de formar politicamente seus membros e de suscitar novas lideranças.
E aí veio a corrupção do “mensalão” sobre o qual se aplicou uma justiça duvidosa
que a história um dia tirará ainda a limpo. O “petrolão”, pelos números altíssimos 
da corrupção, inegável, condenável e vergonhosa, desmoralizou parte do PT e 
parte das lideranças, atingindo o coração do partido.
O PT deve ao povo brasileiro uma autocrítica nunca feita integralmente. Para se
transformar numa fênix que ressurge das cinzas, deverá voltar às bases e junto 
com o povo reaprender a lição de uma nova democracia participativa, popular e 
justa que poderá resgatar a dívida histórica que os milhões de oprimidos ainda 
esperam desde a colônia e da escravidão.
Apesar de tudo, e quer queiramos ou não, o PT representa, como disse o ex-presidente
uruguaio Mujica, quando esteve entre nós, a alma das grandes maiorias empobrecidas
e marginalizadas do Brasil. Essa alma luta por sua libertação e o PT redimido 
continua sendo seu mais imediato instrumento.
Quem cai sempre pode se levantar. Quem erra sempre pode aprender dos erros.
Caso queira permanecer e cumprir sua missão histórica, o PT faria bem em seguir
este percurso redentor.
*Leonardo Boff é filósofo, ecologista e escritor

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