sexta-feira, 23 de junho de 2017

Ele nos deu presente a vida toda. Chico Buarque faz 73 anos.


Mensagem ao Chico Buarque de Hollanda, 
pela comemoração dos seus 73 anos de idade

Caro Chico,

Mal consigo acreditar em um talento como o seu. É uma coincidência tão grande de fatores, que me parece quase impossível de acontecer entre humanos. Algumas vezes, confesso, senti certa raiva por sua capacidade. Pura inveja mesmo. Só não cheguei ao ponto de querer açoitá-lo publicamente. Porque, nesse caso, não seria inveja, mas ignorância, ainda que haja a propensão, própria dos dias de hoje, de se querer desconstruir heróis e mitos. E quanto a isso, nada mais justo. A história contada a partir dos grandes vultos muitas vezes mostrou-se uma falácia. E os heróis, com suas auras de super humanidade, sempre foram mais inibidores da subjetividade alheia, que para ela um farol. Mas querer tornar um bode expiatório, por motivos tão pouco refletidos, alguém que para tanta gente só proporcionou alegria, enriquecimento humano, cultural e artístico, ou mesmo achar que você se deitou em berço esplêndido, aí já é histeria, burrice e até maldade. Embora seja também uma revolta que não encontra sua causa.

De todo modo, se há alguém que poderia neste país deitar-se em berço glorioso, seria você. Você é o cara que fez palavras como estuporador, transeunte ou escafandristas soarem fenômenos naturais em uma canção. E isso não se deve apenas por ser um gênio no uso das palavras, como acreditam os mais desavisados, mas por ser também um gênio musical. Aquelas palavras só podem soar como soam por terem sido colocadas na curva melódica exata, no momento exato, e essa linha melódica estar em consonância impar com a harmonia. E se suas palavras, melodias e harmonias são raras, ainda mais singulares são suas concepções, construções, seus conceitos, visíveis e invisíveis, que estão por trás de cada obra. Enfim, seu jeito único de olhar para a coisa. 

Você também poderia se deitar nesse aconchego magnífico, que é o seu, por ter sido genial ao longo de cinquenta anos, e continuar sendo; ao contrário de outros que deixarão legados medíocres, ou nulos, e ficam por aí vomitando algaravias. Um disco razoavelmente mais recente, por exemplo, como "As Cidades", é uma obra-prima, e disso só não sabe quem não ouviu ou não prestou atenção. 

"Carioca" é também uma obra impar. E "Chico", mesmo não sendo inovador, até porque ser inovador nunca foi sua intenção, é repleto de preciosidades. Quando digo sobre não ser um inovador, não há nenhum demérito nisso. Você escreveu muitas dezenas de clássicos, centenas de canções perfeitas, de obras que tocaram e continuarão tocando o coração de milhões de pessoas. E não é sempre que precisamos de novidade, mas sempre precisaremos das grandes obras, ou encolheremos por falta de lastro. E apesar disso, você continua compondo, cantando, tocando e escrevendo livros. Ótimos livros, diria. E continua se posicionando politicamente de forma clara, enquanto quase todos os artistas na atualidade borram-se de medo de emitir qualquer opinião política mais incisiva e contundente.

Sobre as centenas de maravilhosas canções que você escreveu, não me limitarei aqui a relembrar uma ou outra em particular. Parece-me até injustiça citar meia dúzia delas.

Pois é, Chico, são setenta e três anos de uma vida que deve ser exaltada, homenageada. Sobre suas angústias, quem saberá? - e devem ter sido muitas, para fazer o que você fez. Mas a importância de sua obra faz qualquer tipo de vida ou angústia ter valido à pena, assim espero. E você continua aí, bonitão, boleiro, namorador, montado nesses olhos azuis e nesse incrível talento, embora fazendo dessa última qualidade apenas seu cavalo de guerra para novas empreitadas. 

Viva você, Chico Buarque de Hollanda! 

E viva nós todos, por termos a honra e a delícia de admirar sua imensa e belíssima construção!

Texto do músico, compositor e poeta Magno Mello.

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