domingo, 4 de junho de 2017

O Estado sempre foi usado pelo Mercado para obter mais lucros, diz Frei Betto

Estado e Mercado


Frei Betto* 

No Brasil, os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma foram os melhores
de nossa história republicana. Entre 2003 e 2011, a renda dos brasileiros cresceu
a uma taxa média de 2,8% ao ano. O volume de divisas internacionais superou 
o montante da dívida externa com os bancos internacionais, fazendo com 
que o Brasil se destacasse como credor mundial. Acreditou-se que o país 
havia superado seus problemas com as contas externas.


O aumento do salário mínimo acima da inflação a cada ano, e a política 
de facilitação de acesso ao crédito, fizeram com que o consumo fosse 
amplamente dilatado. No período Lula, entre 2003 e 2010, a geração de 
empregos chegou a 14 milhões (índice igual ao desemprego no período 
Temer). Todo esse processo criou a impressão de que o Brasil havia 
conquistado o patamar de um desenvolvimento capitalista autossustentável.



Esse processo reduziu, de fato, a desigualdade social. O índice Geni, que 
mede o grau de concentração pessoal da renda, se reduziu um pouco nos 
13 anos de governo do PT. Diminuiu a distância entre a renda média dos 10% 
mais pobres e dos 10% mais ricos. Em 2010, esta diferença era de 39 
vezes, enquanto em 2002, no governo FHC, era de 57 vezes. 

Cerca de 40 milhões de brasileiros saíram da miséria. Ampliou-se a 
rede de proteção social aos mais pobres. Em 2015, o Bolsa Família atendeu 
a quase 14 milhões de famílias.


Somam-se a isso a independência e a soberania da política externa brasileira,
como a desarticulação da Alca, o fortalecimento do Mercosul, a participação 
na Celac e no G-20, a formação do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África 
do Sul), e a eleição do nosso país para sediar a Copa do Mundo de 2014
e as Olimpíadas de 2016.


A falta, porém, de uma ousada política de comunicação e democratização da 
mídia, aliada ao fortalecimento dos mecanismos de participação democrática, 
tanto na esfera política quanto na econômica, fragilizaram todas essas 
conquistas. Não se fez um intensivo trabalho de alfabetização política da 
população, mormente dos setores populares, concomitante à 
organização e mobilização desses setores.


Nem sempre os governos progressistas da América Latina se empenharam 
em inverter a relação, historicamente predominante, da supremacia do 
mercado sobre o Estado. Ao contrário, através de desonerações 
tributárias, subsídios generosos a juros baixos e flexibilização das leis
trabalhistas, o Estado se aliou ao mercado e se tornou seu provedor.


O Estado, por natureza, deve ser o provedor daqueles que se 
encontram marginalizados ou excluídos pelo mercado. O Estado tem, 
por dever, contrapor-se ao mercado quando este favorece a desigualdade 
social; reforça a primazia da propriedade privada sobre os direitos coletivos; 
e suga os recursos públicos, através de dívidas públicas não auditadas e, 
portanto, suspeitas.


Um governo que se pretende progressista e, no entanto, não logra assegurar 
a soberania do Estado sobre o mercado, está inevitavelmente condenado a 
ter seu poder político derrotado pelo poder econômico.

Publicado no jornal Hoje em Dia, de BH, no dia 04.06.2017.
*Frei Betto

Frei Betto
  Autor de 58 livros,no Brasil e exterior,estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Seus livros muito conhecidos são Fidel e a Religião, Comunidades Eclesiais de Base, Cartas da Prisão, A Mosca Azul, entre outros.

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