domingo, 15 de abril de 2018

Migração no Jequitinhonha: 'Órfãos da cana' buscam emprego em São Paulo

Jornal Estado de Minas percorre Vale do Jequitinhonha e mostra a migração em massa de trabalhadores em São Paulo e outros estados.
Primeira reportagem é publicada aqui.
Publicado no Estado de Minas, por
postado em 15/04/2018 , às 07:41




Uma das regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha ficou conhecido, nas últimas décadas, pela migração em massa de trabalhadores que deixam para trás suas famílias em busca do sustento em atividades em terras distantes, principalmente no corte de cana em São Paulo, a fim de aliviar os efeitos da seca e da pobreza na região. Não é à toa que o Vale também ganhou a fama de terra das “viúvas de maridos vivos”. Nesse cenário cresceram os chamados “órfãos da cana”, indivíduos que, por causa da migração, tiveram pouco contato com os pais.

Não existem dados oficiais sobre a migração temporária, mas estima-se que, anualmente, milhares de trabalhadores deixam os pequenos municípios à procura do ganha-pão longe de casa. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araçuaí calcula que somente do município e de outras cinco cidades próximas saem pelo menos 3 mil homens por ano – a cidade viu sua população rural despencar de 50,95% em 1991 para 34,93% em 2010 (veja quadro na página 7). Considerando todos os 51 municípios do Vale, no entanto, a quantidade de retirantes é muito maior.
Embora alguma coisa tenha mudado na região com o auxílio do Programa Bolsa-Família e com a melhoria de alguns indicadores sociais, persistem a falta de geração de emprego e renda e a escassez de chuvas – situação agravada ainda com a seca de rios e córregos. Assim, os filhos de ontem se tornaram os pais de hoje e repetem o mesmo roteiro de seus ancestrais: saem de casa e deixam seus pequenos para trás, indo para longe em busca do sustento que o Vale não oferece. Os “órfãos de pais vivos” se perpetuam de geração em geração.





Os já sofridos moradores do Jequitinhonha recebem, também, outra “herança maldita”, consequência da modernidade. Há três anos, os lucros obtidos na produção de açúcar e álcool levaram grande parte das usinas a investir pesado na mecanização da colheita, substituindo o homem pela máquina no corte da cana-de-açúcar. 
Em 10 anos, o percentual de lavouras mecanizadas em São Paulo saltou de 42%, em 2007, para 98% em 2017, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única). São 3.747 colheitadeiras atualmente nas lavouras paulistas, enquanto há 10 anos eram 753.

A modernização do processo reduziu a opção de trabalho dos cortadores de cana, eliminando a renda nas cidades do Vale, onde já circulava pouco dinheiro, ao ponto de reduzir drasticamente as vendas no comércio. Assim, diante da falta de indústrias, das agruras da seca e da falta de oportunidades de emprego, a migração continua desenfreada, com pessoas saindo em busca de trabalho também nas colheitas de café no Sul de Minas, na construção civil e em outro “trampo” qualquer nas grandes cidades. O êxodo rural é cada vez mais intenso, deixando casas abandonadas e criando comunidades fantasmas no campo.

A equipe do Estado de Minas percorreu o Vale do Jequitinhonha, ouviu dezenas de depoimentos de pessoas de diferentes gerações e visitou lugares de difícil acesso na zona rural. Também acompanhou a emoção da despedida da família e o embarque dos migrantes para a labuta longe de casa. As histórias marcantes e a situação encontrada são contadas na série de reportagens que o EM publica a partir de hoje.

Fonte: Jornal Estado de Minas

Comentário do Blog:
A migração para as atividades no corte de cana aconteceram mais intensamente nas décadas de 80 e 90 d0 século passado. Há mais de 20 anos, a colheita do café vem sendo uma alternativa, de menor período - abril a setembro - e menos rendosa. 
Embora o fenômeno se dê em todo o Vale do Jequitinhonha, há uma maior incidência no Médio Jequitinhonha, principalmente nos municípios de Araçuaí, Berilo , Chapada do Norte, Itinga, Minas Novas, Francisco Badaró e Virgem da Lapa. Esta microrregião é semi-árida, com parte cerrado e parte caatinga. É onde a seca castiga de forma mais intensa e também há uma maior concentração de agricultores familiares, tendo poucos fazendeiros.
O Alto Jequitinhonha, microrregião de Capelinha e Diamantina, tem maior disponibilidade de água, e com uma produção agropecuária mais permanente. Nessa microrregião, a migração é bem menor.
No Baixo Jequitinhonha , região da Mata Atlântica, a seca é menos intensa. 
A grande mídia gosta de criar estereótipos. As mulheres dos migrantes viraram "viúvas de maridos vivos". Agora, inventam a expressão "órfãos da cana" ou "órfãos de pais vivos".
Pergunto: alguma mulher de motorista de caminhão, de marinheiro, de jornalista, que fica meses fora de casa é chamada de "viúva de marido vivo"? 
Outra questão que a reportagem se equivoca. Desde 1992 e 1996,  com vários municípios se emancipando, o Vale do Jequitinhonha tem muito mais que 52 municípios, dados de 1980. De lá pra cá, emanciparam-se 6 municípios no Baixo Jequitinhonha;  3 no Médio Jequitinhonha, e 5 no Alto Jequitinhonha. Portanto, atualmente , seriam mais 14 municípios do Vale do Jequitinhonha, ou 66 no total.

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